quarta-feira, 2 de maio de 2007

Quarta Feira, 2/5/07


Um episódio excelente, hoje – montes de sofrimento humano e cusquice à volta do mesmo; exibiu exactamente o tipo de desprezo pelas emoções humanas que gostamos de ver nos “Morangos…”


Começamos a acção no apartamento de Paulo, Zé Maria e Marina. Estes três são provavelmente o meu microcosmo favorito dos Morangos. Resumindo: Marina (uma hippie detestável) e Zé Maria (que é gordo, logo cómico) odeiam Paulo (um cavalheiro de gosto e distinção); o sentimento é mutuo. Mas em vez de traçarem a conclusão óbvia (isso é, dissolver a partilha do apartamento), os três vivem numa espécie de estupor disfuncional co-dependente, baseando as suas míseras vidas à volta de “partidas” crescentemente patéticas e desesperadas. De certa forma, as desventuras deste trio ilustram a famosa frase de Jean Paul Sartre: “o inferno são os outros”. De momento, Paulo está a colher os frutos de ter largado “roofies” nos copos de vinho de Marina e Zé Maria; transporta a hippie fedorenta até ao seu quarto (no qual encontramos um quadro com um balão a exclamar entusiasticamente “vazia!!!”; também quero um), e deita-a na cama. O código de censura da TVI não nos permite assistir ao que decerto se seguirá, mas toda a gente sabe que um homem é apenas um homem e que quem cala consente.


Avancemos portanto até ao Bar Azul, onde André está a elogiar o visual de Leonor. Lucas nota a falta de atmosfera festiva no bar (deveras compreensível, uma vez que os pobres diabos que ali estão têm que passar a vida a ouvir as mesmas duas ou três canções que a banda sonora dos Morangos reservou para as cenas “de festa”), e tenta compensar com algum palavreado de DJ. Não foi bem “ei malta, vocês não estão a divertir-se, mas era fixe se estivessem, woooh!” mas andou lá perto.


Voltamos ao apartamento, onde Paulo está agora a levar Zé Maria para a caminha. Mais uma vez, os padrões de decência (ou seja, a censura ignóbil) da TVI não nos permite assistir à cena em que Paulo tira a virgindade anal a Zé Maria, mas por vezes estas coisas até são mais giras imaginadas do que vividas. De volta ao Bar Azul (raio de nome, já agora), André beija Leonor – e neste preciso momento, entra Napoleão um javali Sofia. Sofia confronta o (já, e agora ainda mais) ex-namorado, avançando que este é “um anormal” (uma crítica firm but fair, a meu ver.) Enquanto corre o confronto, a câmara vai rodando pelo resto dos personagens que, quais comentadores desportivos, fornecem os seus bitaites sobre a situação. Todos menos Lucas, isto é, que pode ser captado no background dos planos de Sofia e André, entretido a rodar discos. Claramente, é a única pessoa normal na sala.


Infelizmente, é precisamente nesse momento que a acção é interrompida por um empregado do serviço “Bonanza”, que veio para me fornecer o meu jantar. O programa aproveita esta deixa para passar para os anúncios.


Na Blackout, Rodrigo discursa sobre o mundo sórdido da pirataria: “In this country, you gotta make the Black Eyed Peas bootlegs first. That gets you the money. Then when you get the money, you get the power. Then when you get the power, then you get the woman." Também menciona que não quer que a Sofia continue envolvida nos esquemas ilegais da Blackout. Enquanto isso, na merdosa casa pequeno-burguesa dos Salgado, Graça tricota um fato para o futuro bebé. Júlio afirma que vai ser um menino, o que basicamente assegura que se vai tratar duma rapariga. Sabiam que às vezes as séries de ficção gostam de brincar com alguns dos preconceitos mais ridículos dos pais de família antiquados? MORANGOS FUN FACT OF THE DAY!


No Bar Azul, Leonor vai ter com André, mas ele basicamente diz-lhe para ir à merda. Não, ok, diz que prefere falar amanhã, mas pronto, teria mais graça da forma como eu contei. No dia seguinte, Paulo concretiza mais uma etapa nos seus maléficos planos de vingança: prepara um pequeno almoço para Marina. Será que ninguém pode parar este perigoso psicopata? Quando chega à cama de Marina, e lhe fala da alegre violação perpetuada na noite anterior, esta fica deveras transtornada e recorre inclusive à violência física, dando um murro no olho de Paulo. As mulheres às vezes são assim, não sabem o que querem. Na casa Salgado, Júlio volta do emprego nocturno de taxista – apesar de cansado, apenas fala bem do serviço que prestou, colocando-se assim na pose estóica dum John Wayne ‘tuga. Ao mesmo tempo, Sofia chora ao som elegante duma balada dos 4 Taste. Ao pequeno-almoço, Rui mostra grande alvoroço pela cisão de relações entre André e Sofia, prometendo “some Stephen Seagall-type shit” da próxima vez que vir André, e notando “comigo as minhas irmãs vão sempre bem tratadas”. Logo de seguida, vira-se para Filipa e ordena “ou despachas-te ou vais a pé”. È mais uma vez o toque subtil com que os “Morangos” ironizam sobre as atitudes masculinas que torna este programa uma obra-prima da televisão pós-scientologista/feminista. Noutra casa, Diogo pede vinte euros emprestados à mãe; quando esta não aceita fornece-los, Diogo afirma que os vai arranjar. “Como?” pergunta esta; a resposta óbvia (prostituição) não é mencionada.


No seu apartamento, Zé Maria confronta Paulo, acusando-o de ser “tarado” (não somos todos, he he he?) e “pornógrafo” (o que já é mais difícil de explicar.) A discussão acaba numa batalha de almofadas, captada com vários planos súbitos ao bom estilo de Jean Luc Godard. André passeia na praia: tristemente, passam vários flashbacks dos momentos que passou com Sofia e Leonor. Mas, para sua grande surpresa e felicidade, estes flashbacks acabam invariavelmente com a aparição do Fonzie e a distribuição de gelados por todos os intervenientes. Reconfortado, André abandona a praia.


No bar da escola, Becas (vestida de vermelho) encontra Sam (vestido de vermelho); no fundo, temos uma parede vermelha, e a Marina, vestida de encarnado. O Almodovar ainda tem muito a aprender com esta série! Sam revela que acabou o namoro com Natasha, e que está apaixonado por outra pessoa – ela! Aparentemente aquelas regras sobre dar um período de espera entre namoros não combinam muito com os moranguitos. Becas foge, levando a uma curta perseguição de carreira de rodas ao bom estilo ”Benny Hill”, mas eis que se defrontam com Natasha e Diogo! Natasha, chocada com a revelação de que o homem que ama quer a sua melhor amiga, perde o controlo e revela que Becas costumava sair às escondidas com Vítor, o empregado do Bar Azul. Todos os presentes na sala tentam fazer cara séria, mas o facto de se estar a falar sobre uma tipa chamada “Becas” coloca alguns entraves a isso. De qualquer forma, Becas torna a correr, e segue-se mais divertimento de corridas com cadeiras. O pessoal no bar discute a situação, mostrando assim mais uma vez que, nos Navegantes, o amor é um desporto de espectadores.


Mick “Manel” Hucknall fala com Angelina, notando mais uma vez que os vencedores não fazem drogas e que ela devia ficar na escola. Angelina acha estúpido, há briga e tal. Rodrigo aproveita a situação para realçar que cada vez que quiser erva, pode falar com ele.


Começam as aulas. Em Português, a professora pede aos alunos que passem o sumário; é de notar que no quadro diz algo sobre um poema do Fernando Pessoa. Na altura em que eu andava a estudar Pessoa já tínhamos deixado há muito a prática dos sumários, mas suponho que em Cascais a vida é mais lenta. Paulo chega ao colégio com óculos de Sol, causando uma discussão com Zé Maria, na qual ambos parecem ignorar completamente o facto que Zé Maria sabe o porquê dos óculos, e Paulo sabe que ele sabe. São caixas dentro de caixas! Mais tarde Paulo também provoca o deleite dos docentes, que aparentemente já esqueceram que o colégio está à beira da falência e que podem perder os seus empregos num ápice.


Becas alinha no tratamento do costume para pessoas que estão mal (andar na praia); quase chega a ter flashbacks, mas aparece um cão e isso arruína tudo. Na escola, Rute aconselha Leonor a ir a um spa. Não menciona o nome, mas visto que esse tipo de negócio ainda é uma coisa bastante niche por cá, vou ser generoso e conceder um (1) ponto de product placement ao episódio. Enquanto isso, uma groupie aproxima-se de dois membros dos 4 Taste, pedindo que estes assinem o seu CD. Chocados, os jovens artistas de variedades notam que o CD é pirateado!!!


Na associação de estudantes, Lucas joga aos matraquilhos com Rodrigo, mostrando mais uma vez uma total falta de padrões morais. Os dois nacional-cancionetistas interrompem, exigindo satisfações a Rodrigo.

Na sala dos professores, Vitória discute com Ravina, que solta a magnífica tautologia “já não estou a achar graça ás tuas piadas que não têm graça” e acusando esta de ser “terrorista”. SERÁ QUE OS TERRORISTAS JÁ GANHARAM? É o que iremos saber no próximo episódio.



(Para quem quiser saber mais sobre este episódio dos “Morangos”, ou sobre a tradição do conto fantástico na cultura ocidental em geral, aconselha-se a leitura deste ensaio de H.P. Lovecraft)